Corante natural e preservação de bananas: pesquisadoras baianas desenvolvem estudos para o setor alimentício com recursos naturais.
Cientistas do sudoeste baiano conversaram com o g1 sobre particularidades das pesquisas, que utilizam jenipapo, mandioca, erva cidreira e quiabento.
Pesquisadoras de cidades da região sudoeste da Bahia encontraram maneiras de contribuir com o setor alimentício através de recursos naturais, que fazem parte da cultura nordestina.
Os estudos descobriram uma forma de produzir corante natural em pó à base da mandioca, cultivada em praticamente todo o território nacional, e do jenipapo, fruto comum nas áreas de cerrado, Mata Atlântica e Floresta Amazônica.
As pesquisas também apontam como retardar o apodrecimento da banana com o uso de erva cidreira e quiabento, tipo de cacto espinhoso e de propriedades medicinais, presente nos estados do Nordeste e em Minas Gerais.
Ao g1, as responsáveis pelos projetos contaram particularidades de cada uma das pesquisas, que fizeram sucesso na 10ª Feira de Ciências, Empreendedorismo e Inovação da Bahia (Feciba), realizada no fim do ano passado em Lauro de Freitas, município da região metropolitana de Salvador. Confira abaixo.
Corante a partir do jenipapo e mandioca
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Cristiane Martins Veloso e Jéssica Ribeiro, pesquisadoras — Foto: Arquivo Pessoal
No laboratório do Programa de Pós-Graduação em Engenharia e Ciências de Alimentos da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb), campus de Itapetinga, a doutora Jéssica Barreto desvendou como é possível utilizar jenipapo e mandioca para produzir corante natural em pó.
Em tupi-guarani, jenipapo significa “fruta que serve para pintar”. Do sumo do fruto verde, é extraída uma tinta, com a qual se pode colorir paredes e cerâmica, além da pele. A pesquisa, que teve orientação da professora Cristiane Martins Veloso, foi inspirada nos costumes dos povos indígenas, que utilizam o produto em pinturas corporais.
Conforme Jéssica, a ideia da pesquisa surgiu a partir da necessidade de reduzir o consumo de corantes industrializados, que podem causar alergias, problemas cardiovasculares e intestinais, e até doenças mais graves como câncer, quando consumidos em excesso.
Já os corantes alimentícios naturais não geram malefícios à saúde e contém propriedades antioxidantes e antibacterianas. Por causa disso, aponta Jéssica, a produção deste item é “uma demanda urgente e uma necessidade crescente na indústria”.
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Resultados dos corantes alimentícios produzidos através de jenipapo — Foto: Arquivo Pessoal
Jéssica Barreto dedicou todo o mestrado e doutorado à pesquisa, totalizando oito anos de trabalho. O maior desafio era estabilizar o corante natural, já que o jenipapo sai facilmente com a água, além de ser sensível à oxidação e às altas temperaturas.
A solução foi encontrada ao unir a pesquisa de Jéssica com a de Cristiane Martins, especialista em amidos. As duas optaram por encapsular o extrato do jenipapo, técnica que é feita através da maltodextrina, derivada do milho transgênico. Entretanto, o uso de produtos transgênicos, que também podem oferecer riscos à saúde, iriam na contramão do foco ecológico do estudo.
Dessa forma, surgiu a possibilidade do aproveitamento da mandioca, que além de ser natural, também valoriza os alimentos regionais e beneficia a população baiana, já que o estado é o terceiro colocado no plantio do item, correspondendo a quase 9% da produção nacional, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
“Precisamos de coisas que sejam viáveis, para que a nossa pesquisa seja levada aos agricultores familiares. A pesquisa não pode ficar restrita dentro dos muros da faculdade, ela precisa ser útil para a comunidade”.
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Corante natural produzido através do jenipapo diluído — Foto: Arquivo Pessoal
Atualmente Jéssica orienta cinco alunos que têm o mesmo objeto de estudo na Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB), onde ela leciona no Centro de Ciência e Tecnologia em Energia e Sustentabilidade (CETENS).
As novas pesquisas estão produzindo corantes naturais de outros tons, como amarelo, roxo e vermelho. “Eu me sinto muito feliz e satisfeita em saber que o meu anseio tem sido seguido, mas dessa vez junto com os meus alunos”.
Conservação das bananas
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Bananas após 21 dias do experimento — Foto: Arquivo pessoal
As aulas de Iniciação Científica no Colégio Estadual Antônio Figueiredo, localizado na cidade de Ibiassucê, foi o que despertou nas jovens Lavínnia Cardoso, Maria Fernanda Silva, Luna Fernandes Farias, Helaine Pereira e Isadora Vasconcelos, o desejo de encontrar maneiras de preservar a banana e retardar o amadurecimento da fruta.
Com o apodrecimento da banana, a casca escurece devido à presença de um fungo chamado antracnose. As jovens recorreram ao extrato da erva cidreira, planta medicinal com propriedades fungicidas, muito consumida em chás, e ao fruto do quiabento, Planta Alimentícia Não Convencional (Panc) pouco difundida.
O objetivo é mantê-las nas prateleiras dos estabelecimentos comerciais em condições adequadas para consumo, por muito mais tempo. Em geral, uma penca de bananas dura menos de uma semana em situação apropriada para comercialização. Com o extrato etanólico da erva cidreira e do quiabento, desenvolvido pelo grupo, elas podem durar até três semanas.
“Há uma preocupação de que essa biodiversidade seja perdida, porque o que a gente não conhece, a gente não valoriza. As pessoas pensam que essas plantas têm pouca utilidade ou não prestam. O quiabento principalmente, porque economicamente falando ele não tem valor algum, mas descobrimos esse potência nele” explicou Fernanda Ilária Brito, que orientou as estudantes.
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Projeto do uso do quiabento e erva-doce para retardar o amadurecimento das bananas foi premiado na Feciba — Foto: Arquivo Pessoal
O produto é feito da seguinte forma:
- As folhas da erva-cidreira são lavadas e penduradas em um varal para desidratar durante sete dias. Após esse processo, as folhas são picotadas e colocadas no álcool etílico durante 15 dias, formando o extrato etanólico da erva-cidreira;
- O extrato etanólico é passado nas cascas bananas verdes assim que são colhidas, durante cinco dias consecutivos;
- O quiabento é cortado para retirada da polpa, que também é aplicada na casca. A viscosidade do fruto, que se assemelha ao quiabo, cria uma película que retarda o amadurecimento, por impedir que o hormônio do fruto entre em contato com o ar e dê prosseguimento ao apodrecimento.
O estudo foi premiado na Feciba e as alunas seguem desenvolvendo a pesquisa, com o objetivo de ajudar pequenos agricultores do estado. A Bahia é o segundo estado que mais produz banana, conforme a Conab.
Como acontece com quase todos os pesquisadores do país, elas também enfrentaram problemas no desenvolvimento do projeto. Fernanda contou que os recursos foram custeados pela direção da escola e pelas famílias das próprias alunas.
Lavínnia Cardoso, uma das pesquisadoras, relembrou uma situação curiosa e que quase colocou tudo a perder. Às vésperas da participação na Feciba, o grupo perdeu o material de estudo – no caso, as banana – que foram consumidas por outros alunos, que desconheciam o projeto. As jovens precisaram refazer todo o processo em menos de um mês.
Ela também mencionou a falta de laboratórios bem equipados e a falta de incentivo do poder público como entraves no trabalho científico. “A gente tira leite de pedra. no decorrer do percurso foram inúmeros percalços por não termos equipamento, recurso, disponibilidade de tempo. Mas nada foi motivo para desistirmos”, concluiu.
Fonte: https://g1.globo.com/
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